Filme e Psicanálise - A Fita Branca
- Silvana Souza Silva
- 24 de jun. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 9 de ago. de 2023
Dirigido por Michael Haneke, foi escolhido como o melhor filme estrangeiro e melhor fotografia no festival de Cannes no ano de 2009 levando o prêmio Palma de Ouro.
Sinopse:
Um vilarejo protestante no norte da Alemanha em 1913 às vésperas da 1ª Guerra Mundial.

Estranhos eventos envolvendo crianças e adolescentes perturbam a calma do local. Gradualmente os incidentes isolados tomam forma de um sinistro ritual de punição, deixando a cidade em pânico.
O professor de coral das crianças investiga os acontecimentos para encontrar o responsável e aos poucos se depara com uma perturbadora verdade, que décadas depois podem dar uma direção aos eventos dramáticos que aconteceriam na Alemanha.
Introdução:
O que me levou a assistir a Fita Branca foi o fato de apreciar filmes estrangeiros.
Não havia nenhuma recomendação ou propósito, mas quando o filme chegou ao final fiquei impactada pelo conflito entre o bem e o mal e os desvios de uma sociedade adoecida pelos desejos mais primários do ser humano.
A estrutura patriarcal é altamente autoritária e é marcada pela punição e disciplina, a masturbação de um jovem adolescente é vista como um pecado mortal, pecado esse que deixa sua cicatriz profunda no psiquismo durante toda a vida.
A relação de severidade excessiva pelos pais em relação aos filhos fortalece alguns sentimentos ambivalentes como o temor ao castigo, a transferência da hostilidade reprimida em sadismo.
As crianças usam a fita branca amarrada no braço sobre a roupa, para se lembrarem da condição de pecadores.
Diante desse conflito tomei como base o tema “angústia” que desenvolverei este trabalho.
Apenas para situar em 1913 ano em que se passa o filme, Freud está com 57 anos, rompe sua relação com Jung, acontece o casamento de sua segunda filha Sophie, ele começou a escrever sobre o narcisismo – uma introdução e lança Totem e Tabu.
Reflexão sobre o filme com destaque ao tema – “Angustia”
Angústia: (Realangst) Vocabulário de Psicanálise – Laplanche e Pontalis
· Utilizado por Freud no quadro de sua segunda teoria da angustia (1926), angustia perante um perigo exterior que constitui para o sujeito uma ameaça real.
· Reação do sujeito sempre que se encontra numa situação traumática, isto é, submetido a um afluxo de excitações, de origem externa ou interna, que é incapaz de dominar.
Seleção de algumas cenas do filme:
1ª O Barão do vilarejo é casado tem um casal de filhos, o filho mais velho de 6 anos é sequestrado e torturado.
2ª O único médico da cidade perdeu sua esposa no parto do segundo filho. Portanto ele mora com a filha de 13 anos e o filho de 05 anos. Numa madrugada o filho menor acorda procurando pela irmã quando entra no consultório do pai encontra a irmã seminua e seu pai subindo a calça.
3ª O Pai pastor do vilarejo percebe que um de seus 07 filhos que é adolescente está se comportando de modo diferente e suspeita que ele está se masturbando, na tentativa de impedi-lo amarra suas mãos durante alguns meses.
4ª O mesmo Pai- pastor após 02 de seus filhos se atrasarem para o jantar promove a eles uma surra na frente dos outros irmãos e na presença da mãe. A partir desse dia por tempo que ele achar conveniente os meninos, passam a usar a fita branca.
5ª O surpreendente desprezo com que é tratada uma criança deficiente mental pelos adultos e pelas outras crianças, a ponto de ter seus olhos furados.
6ª O Pai que grita e espanca violentamente o filho na presença da mãe ao saber que ele havia quebrado uma flauta do filho do Barão.
7ª O Pai pastor ao chegar em casa, encontra seu pássaro de estimação em cima da mesa com uma caneta cravada no pescoço. Ele sabe que foi sua filha, porém nada faz. Assim como também recebe a visita do professor do vilarejo que o procura para contar sobre os principais suspeitos dos últimos acontecimentos, porém nada fazem.
Diante desse quadro me baseio nos textos de uma criança é espancada, texto escrito em 1919 e o problema econômico do masoquismo escrito em 1923.
A neurose adulta é o retorno da angústia inconsciente da castração mal recalcada da infância. O homem se torna um ser aflito com a perda do poder que julga possuir. A angústia portanto se localiza no centro da vida de um homem.
Era difícil para Freud a partir dos relatos dos pacientes saber se o espancamento era sádico ou masoquista, mas alguém batia e alguém apanhava algo na ordem de uma fantasia muito primitiva acompanhada de um grau de prazer pairava no ar.
Melaine Klein nos conta de um Ego primitivo e desorganizado, na posição esquizoparanóide a principal angústia é pela sobrevivência do EU. Toda destrutividade volta-se para fora a fim de proteger o EU.
Num conflito edípico no estádio oral-sádico há uma violenta relação com objetos do mundo externo e interno, existe o predomínio do sadismo que gera uma angústia que irá exercer uma forte pressão no Ego ainda imaturo.
Neste processo o desenvolvimento do Ego se adianta ao da libido sendo esse um fator determinante para uma neurose.
Freud nos diz que a angústia provém de uma conversão da libido num Ego ainda fragilizado. O sofrimento acarretado pelas neuroses é exatamente o fator que as torna valiosas para a tendência masoquista.
A satisfação do sentimento inconsciente de culpa é talvez a mais poderosa sustentação do sujeito na soma de forças que lutam contra o restabelecimento e se recusam a aceitar seu estado de enfermidade.
Vamos pensar numa necessidade de punição.
Seria essa punição que a maioria dos homens de poder como o médico, o barão, o pastor tentavam expressar no filme? Deixavam como que vazar essa destrutividade por toda a casa, mas sempre evitando um contato mais íntimo com essa relação em nome de uma moralidade.
O Ego reage com sentimentos de ansiedade de que não esteve a altura das exigências feitas por seu superego. Podemos dizer que a função do Ego é unir as reivindicações e podemos acrescentar que assim procedendo ele também tem no superego um modelo que pode esforçar-se por seguir, pois esse superego é tanto um representante do Ego como do mundo externo.
O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas. O superego é o herdeiro do complexo de Édipo, que nos mostra assim ser a fonte de nosso senso ético, individual e moral.
Como seria a vida dessas crianças que estavam vivenciando tamanha agressividade. O desejo incestuoso mítico que acabava por se concretizar diante de um pai que toma sua filha como mulher.
A moralidade sustentada recai sobre o sadismo fortalecido pelo superego a que o ego fica submetido. O masoquismo moral cai no próprio masoquismo daquele ego primário que busca uma punição as mãos de um poder paterno nos leva a pensar num “sentimento de culpa inconsciente” que muitas vezes ele pode destruir seus próprios interesses.
Um superego sádico e o ego masoquista unem-se para produzir os mesmos efeitos, assim uma pulsão pode com frequência resultar no sentimento de culpa, tornando uma consciência mais sensível a ponto de não cometer agressão contra os outros.
Talvez assim o silêncio do pastor e do médico ao levantarem os possíveis suspeitos faça algum sentido.
Quanto maior o grau de civilização, quanto maior a renúncia pulsional que o sujeito faz para o outro mais aumenta sua agressividade em seu próprio interior.
As mulheres desse filme, pouco são ativas, incapazes de conseguir impedir qualquer agressão por parte dos maridos, poderíamos considerar mulheres castradas? Pensando num complexo de Édipo na menina eu diria que os homens eram tão neuróticos que eles sim sentiam- se ameaçados de serem castrados, a ponto de não viver uma relação de afeto seja com suas esposas ou filhos.
Gostaria de abordar mais sobre a feminilidade, mas não irei avançar por ter apenas um conhecimento teórico do complexo de Édipo na menina, teria que me aprofundar com leituras específicas.
Conclusão:
A violência praticada no filme é oculta, é velada, é encoberta e é prazerosa.
Os atos perversos podem ser atribuídos as fantasias mais primárias do ser humano, capaz de impactar e levar a pensar na angústia individual e de uma sociedade que vive baseada em princípios de uma moralidade adoecida.
Essa moralidade junto com a estrutura autoritária da sociedade retratada, gerou fortes sentimentos de indiferença e crueldade conscientes, esses sobreviventes conforme alguns dados farão mais tarde parte da ideologia nazista.
Fato curioso, um museu em Berlim está abrindo pela primeira vez na história uma mostra sobre Hitler, (15 out/2010) 65 anos após sua morte há depoimentos de idosos ainda vivos que sentem um forte “sentimento de culpa”, enquanto a população mais jovem não entende essa “culpa” sentida pelos mais velhos.
Silvana Souza
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