A Experiência Emocional em Bion: Significado, Transformação e Relação com a Mística.
- Silvana Souza Silva

- 24 de nov.
- 3 min de leitura

Por Silvana Souza Silva – Psicanalista | Mestre em Ciência da Religião (PUC-SP)
Introdução: por que falar da experiência emocional em Bion hoje?
A experiência emocional em Bion é um dos pilares mais importantes da psicanálise moderna. Ela descreve não apenas o que sentimos, mas a forma como transformamos aquilo que sentimos.Em um mundo acelerado, ansioso e saturado, compreender esse conceito torna-se essencial tanto para a clínica psicanalítica quanto para o desenvolvimento emocional de qualquer pessoa.
Além disso, a obra mais madura de Wilfred Bion se aproxima do campo da mística, entendida aqui não como religião, mas como expansão da mente, abertura ao desconhecido e contato com verdades emocionais profundas.
Este artigo explora, de forma acessível, como esses dois territórios — psicanálise e mística — se encontram na experiência emocional proposta por Bion.
1. O que é a “experiência emocional” segundo Bion?
Na psicanálise contemporânea, o conceito de experiência emocional ganha destaque porque rompe com a ideia de emoção como algo apenas “sentido”.Para Bion:
A experiência emocional é o encontro transformador entre o sujeito e sua verdade psíquica.
Esse processo envolve três movimentos fundamentais:
1. Abertura
O indivíduo precisa se permitir viver o impacto da experiência emocional, mesmo quando ela é desconfortável.
2. Tolerância ao não saber
Aqui entra a famosa capacidade negativa, a habilidade de permanecer diante da incerteza sem fugir para explicações rápidas.
3. Transformação
Só quando a mente tolera esse encontro é que ocorre a metabolização psíquica, gerando crescimento emocional.
A experiência emocional é, portanto, um processo vivo, profundo e transformador — muito além de um simples “sentir”.
2. Bion, capacidade negativa e o vínculo com a mística
A capacidade negativa, conceito que Bion ressignifica, aproxima seu pensamento de tradições místicas de diversas culturas.Trata-se da habilidade de:
suspender certezas,
sustentar o vazio,
suportar o silêncio,
permanecer no desconhecido.
Tanto na psicanálise quanto na mística, esse estado permite que o sujeito acesse dimensões internas que não podem ser compreendidas apenas pela razão.
No caminho místico, fala-se de abertura ao mistério.Na psicanálise, fala-se de abertura ao inconsciente.
Ambos os movimentos apontam para um deslocamento da mente para zonas de profundidade e expansão.
3. Transformações em O: o encontro com a verdade emocional
Um dos conceitos mais complexos e relevantes da obra tardia de Bion é O, que ele descreve como:
a realidade última,
a verdade emocional mais profunda,
aquilo que não pode ser descrito, apenas vivido.
O não é um conhecimento racional.É uma experiência emocional direta, semelhante ao que muitas tradições chamariam de “iluminação”, “insight profundo”, “encontro consigo mesmo”, “despertar”.
O sujeito só acessa O quando:
seu ego está menos rígido,
há menos resistência,
existe abertura para a experiência,
a capacidade negativa está ativa.
Por isso, muitos estudiosos falam da dimensão mística da obra de Bion.
4. A clínica como espaço de experiência mística
O encontro analítico é um dos raros lugares da vida moderna em que ainda se pode:
silenciar,
sustentar a dor,
elaborar pensamentos,
sentir profundamente,
transformar-se.
Muitos momentos clínicos se aproximam de experiências místicas — não por serem sobrenaturais, mas por envolverem:
expansão da consciência,
reorganização interna,
revelações emocionais,
encontros com a própria verdade.
Bion mostra que o analista não deve impor interpretações, mas sim oferecer continência, funcionando como uma presença capaz de acolher o que emerge.
Assim como o mestre espiritual sustenta o discípulo no caminho, o analista sustenta o paciente na travessia de sua experiência emocional.
5. Por que a experiência emocional é tão importante hoje?
O cenário contemporâneo — hiperconectado, exausto e ansioso — produz mentes saturadas e desconectadas de si.
A teoria de Bion é atual porque:
valoriza o silêncio num mundo ruidoso;
devolve profundidade numa época superficial;
legitima o mistério em tempos de excesso de racionalidade;
sustenta a subjetividade em meio à pressão da produtividade;
oferece modelos para lidar com o caos emocional moderno.
Ao recuperar a importância da experiência emocional, reencontramos uma dimensão humana esquecida: a capacidade de transformar-se a partir do que nos atravessa.
Conclusão: a experiência emocional como caminho de expansão
A experiência emocional em Bion é uma porta para a verdade interna, para o crescimento psíquico e para estados de consciência ampliados.Ela não separa psicanálise e mística — ao contrário, mostra que ambas compartilham um campo de profundidade e autenticidade.
Transformar-se emocionalmente significa, no fundo, aproximar-se de si mesmo.E esse processo, como bem sabia Bion, sempre exige coragem, entrega e abertura ao desconhecido.
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