"O" ou zero em Bion: Verdade Emocional, Mistério e Transformação Psíquica
- Silvana Souza Silva

- 3 de dez.
- 3 min de leitura

Por Silvana Souza Silva – Psicanalista | Mestre em Ciência da Religião (PUC-SP)
Palavra-chave principal: O em BionPalavras-chave secundárias: verdade emocional, transformação psíquica, psicanálise contemporânea, dimensão mística, Wilfred Bion, experiência emocional, conhecimento absoluto, expansão da mente.
Introdução: por que o conceito de O é tão importante?
Entre os muitos conceitos criados por Wilfred Bion, nenhum é tão enigmático e profundo quanto O.Para muitos analistas, trata-se do ponto mais alto de sua teoria — um lugar onde a psicanálise toca o território da mística, da verdade emocional e da expansão da consciência.
Entender o O em Bion é entender o coração da sua obra tardia: um chamado para que a mente humana se abra para o desconhecido, para o indizível e para tudo aquilo que só pode ser vivido, jamais completamente explicado.
Este artigo explora o significado de O, sua relação com a transformação emocional e como ele se manifesta na clínica psicanalítica.
1. O que é O em Bion?
De forma simples e direta:
O é a verdade última da experiência emocional — aquilo que existe antes de qualquer pensamento, palavra ou interpretação.
Não é um conceito racional, não é simbólico, não é representacional.O é:
realidade psíquica absoluta,
núcleo da verdade emocional,
fundamento não simbolizado da experiência,
dimensão que está sempre presente, mas raramente acessível.
É aquilo que só pode ser experimentado, nunca apreendido totalmente pela mente.
2. O não é algo que se sabe — é algo que se suporta
Para Bion, a mente não “conhece” O — ela se aproxima de O.
Trata-se de um estado que exige:
capacidade negativa (tolerância ao não saber),
entrega emocional,
suspensão de defesas egóicas,
abertura para o impacto da verdade interna.
É um movimento semelhante ao descrito em caminhos místicos:o buscador não captura o mistério; é o mistério que se revela quando há preparo interno.
3. O caminho para O: a destruição das certezas
Para que O possa emergir, é necessário que certas barreiras caiam:
1. Certezas intelectuais
O pensamento rígido impede o contato com o indizível.
2. Defesas narcísicas
O ego precisa abrir mão da ilusão de controle.
3. Ruídos internos
A mente precisa desacelerar para que o real possa ser escutado.
Por isso Bion dizia:“Sem memória, sem desejo, sem compreensão.”
Esse estado de esvaziamento cria um campo fértil para a experiência de O.
4. O como experiência emocional transformadora
Quando O toca a mente (ou quando a mente se deixa tocar por O), ocorre uma transformação profunda:
a percepção muda,
o sujeito reorganiza seus sentidos internos,
o self se expande,
a verdade emocional emerge.
Essas experiências podem ser:
momentos de clareza,
silêncios densos,
intuições profundas,
insights inesperados,
sensação de unidade interna.
Não à toa, muitos autores reconhecem aqui um diálogo com a mística.Não no sentido religioso, mas existencial:o encontro com O se assemelha ao encontro com o sagrado dentro de si.
5. A manifestação de O na clínica psicanalítica
O aparece no setting analítico em situações específicas, como:
1. Silêncio fértil
Quando paciente e analista sustentam juntos um campo emocional intenso sem racionalizações.
2. Momentos de contato profundo
Instantes em que algo verdadeiro emerge, sem nome, mas claramente sentido.
3. Reorganizações internas
O paciente muda sua relação consigo mesmo após uma experiência emocional intensa.
4. Transformações não verbais
Ocurre uma mudança psíquica mesmo sem interpretação, apenas pela presença e pela continência.
Nesse sentido, o analista funciona como um canal — não para explicar, mas para sustentar a emergência de O.
6. O, mística e expansão da consciência
A aproximação entre Bion e a mística não é acidental.Ambos os caminhos:
suspendem certezas,
acolhem o silêncio,
valorizam a experiência direta,
reconhecem o indizível,
buscam a verdade profunda.
Para o místico, esse encontro é vivido como união com o sagrado.Para Bion, é vivido como contato com a verdade emocional essencial.
Embora pertencentes a campos diferentes, ambos falam de um mesmo fenômeno humano:a expansão da mente além de seus limites habituais.
Conclusão: O como horizonte da psicanálise
O O em Bion é mais do que um conceito; é uma direção para onde a mente pode se mover.É o horizonte da transformação psíquica, o ponto onde a psicanálise reencontra a profundidade da experiência humana.
Atravessar o caminho até O exige:
coragem,
abertura,
capacidade de suportar o desconhecido.
Mas, quando ocorre, produz transformações que não podem ser desfeitas — como se a mente tivesse tocado um ponto de verdade que lhe devolve sentido, integridade e expansão.




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